27/12/2009

Receita de ano novo

Para você ganhar um belíssimo ano novo, cor de arco-íris, ou da cor da sua paz, Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido – mal vivido talvez ou sem sentido.

Para você ganhar um ano, não apenas pintando de novo, remendado às carreiras, mas novo nas sementinhas do vir a ser novo, até no coração das coisas menos percebidas – a começar pelo seu interior.

Novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota, mas com ele se come, se passeia, se ama, se compreende, se trabalha.

Você não precisa beber champanhe ou qualquer outra birita, não precisa expedir nem receber mensagens – planta recebe mensagem? Passa telegrama? Não precisa fazer lista de boas intenções, para arquivá-las na gaveta.

Não precisa chorar de arrependido, pelas besteiras consumadas, nem parvamente acreditar que, por decreto da esperança, a partir de janeiro as coisas mudem e seja tudo claridade, recompensa, justiça entre os homens e as nações, liberdade com cheiro e gosto de pão matinal, direitos respeitados, começando pelo direito augusto de viver.

Para ganhar um Ano Novo que mereça este nome, você tem de merecê-lo, tem de fazê-lo de novo. Eu sei que não é fácil, mas tente, experimente, consciente.

É dentro de você que o Ano Novo cochila e espera desde sempre.

Carlos Drummond de Andrade

16/12/2009

A tesoura e a agulha - Assis Almeida

Desde pequena, a moça se acostumara a conviver com tecidos, tesouras, agulhas e linhas de diversos padrões e cores. Sua mãe, exímia costureira, sustentava toda a família com muito trabalho e honestidade.
A moça casara com um frio empresário que gastava as energias com os negócios e dava muita importância ao que ela nem sempre julgava essencial.
Já estava acostumada a ver o marido cortar os passeios com os filhos por um almoço de negócios, já não agüentava ouvir o marido falar em cortes, mudanças precipitadas... Isso sem falar nas inúmeras vezes que foi cortada ao tentar argumentar, discutir os problemas do cotidiano...
Numa rara noite em que todos estavam em casa, a caçula começou a implicar com o irmão.
O pai, sempre ocupado, não suportava o barulho e sem querer ouvir ou entender a situação mandou as duas crianças para o quarto, sem conversa.
A mulher simplesmente pegou sua caixinha de costura com alguns retalhos e chamou o marido:
- Agora não, meu bem!
- Agora sim, querido!
O homem percebendo que não tinha escolha, sentou-se e ficou olhando os retalhos, a agulha, a tesoura, carretéis de linha sem nada compreender.
- Meu bem, para que serve a tesoura? - perguntou brandamente a mulher.
- Para cortar, aparar...
- E a agulha?
- Para costurar, ora!
- Você consegue fazer uma colcha de retalhos só cortando?
- Na verdade não faria de jeito nenhum - não sei costurar, lembra?
- Não estou brincando! Você já viu ou soube de alguma costureira que costura sem linha e agulha, só com tesoura?
- Claro que não, meu amor.
- Minha mãe me falou um dia, quando meu pai nos deixou, que nossa família era como uma colcha de retalhos. Cada um de nós era um retalho colorido. Para que nossa colcha fique sempre bonita precisamos usar a agulha e as linhas.
- E daí?
- Daí que você só sabe usar a tesoura. Corta nossos momentos de lazer, corta a minha palavra, corta o diálogo com as crianças. Você só separa, separa...
- Eu?
- Sim. Aprenda a unir nossa família. Aprenda a unir o seu trabalho à nossa família, unir os seus amigos aos meus... Qualquer dia você perceberá o quanto nos cortou de sua vida e talvez seja tarde.
O marido nada disse - sinal de que ia pensar, refletir. Mudanças demandam tempo.
- Não vou mais falar sobre isso. Só quero que você pense, tá? Estou no quarto das crianças. Vou costurá-las porque não quero dois retalhos tão importantes de minha vida separados. Boa noite!
- Boa noite.
Dali a meia hora o marido entrou no quarto em que brincavam as crianças, enquanto a mulher costurava uma bonita colcha de retalhos.
A cena enterneceu o homem e o fez juntar-se aos três. Abraçou-os e os levou para jantar.

13/12/2009

Tem horas...

Tem horas que eu queria ser uma criança,
pra poder sentar no sofá de pijama,
assistir desenho e não me preocupar com nada.

Tem horas que eu queria ser adolescente,
pra poder fazer minhas coisas sozinha,
mas sabendo que tenho alguém que ainda é responsável por mim.

Tem horas que eu queria ser uma adulta experiente,
pra saber o que fazer nas situações que
pessoas mais experientes que eu resolvem facilmente.

Tem horas que eu queria ser bem velhinha,
pra poder olhar meus netos e
contar histórias de como era na minha época.

Tem que horas que eu queria simplesmente ficar quieta
e deixar o mundo lá fora explodir.
Tem horas que eu queria estar rodeada
com o maior número de pessoas possível,
com bastante barulho.

Tem horas que eu queria sair por aí
com todos meus amigos,
pra dançar a noite inteira e desestressar.

Tem horas que eu queria ficar quieta no calor do teu abraço,
sem me preocupar se as horas passaram ou se o tempo parou.

Enfim, tem horas que eu queria ter tudo
e nada ao mesmo tempo.

Tem horas que queria ter a despreocupação da criança,
os desejos da adolescente,
a experiência de um adulto e,
o tempo e a vivência de uma pessoa velhinha.

Nem tudo é possível!

Então,
me contento em ter vivido algumas dessas fases,
e tento aproveitar ao máximo cada uma das outras que estão por vir!